Imaginação
Nosso cérebro foi feito para produzir imaginação, que nada mais é a capacidade mental de representar imagens que são criadas a partir de uma combinação de ideias. Quando jogávamos Enduro (Atari), acharíamos o máximo se pudéssemos chegar nas montanhas quadriculadas afastadas naquele suposto horizonte criado graças a um efeito de perspectiva auxiliado pelo tracejado da pista. As vezes nosso subconsciente absorvia esse desejo e sonhávamos com isso, estávamos lá, nas montanhas! Eu tenho certeza que o desenvolvedor de Enduro sonhou antes ao criar um jogo onde ele pudesse viajar entre diversos cenários de maneira praticamente infinita. Em um conceito mais filosófico, imaginação é isso: quando essas imagens do subconsciente, nascidas de percepções, aparecem na superfície da consciência.
Aquela plataforma inatingível de Castlevania III (NES) com uma vela. O que teria naquela vela? Em Batman 1 (NES), tantos andares inatingíveis… E se eu pudesse chegar até lá? E o belo cenário de fundo de Castle of Illusion (Mega Drive), eu gostaria de andar naquele gramado entre as árvores.
Em The Need For Speed (1994) e em diversos outros jogos de corrida lançados desde então, uma barreira invisível o impedia de seguir adiante na pista após sua conclusão.
Na época, pensávamos: eu queria ir além, minha imaginação permitia mas, essa fronteira invisível, não. Além do mais, passávamos em cruzamentos e viadutos sem poder desviar da corrida e explorar novos lugares. Que se dane a corrida, chegar em primeiro… quero é explorar esse mundo novo.
Aos poucos foram surgindo jogos e engines que permitiam mais liberdade para por em prática a necessidade de satisfazer nossos sentidos. Duke Nuken 3D (1996) foi o primeiro jogo em primeira pessoa a se passar em uma cidade. Unreal (1998) inovou na texturização detalhada e uso de luz em múltiplas cores e intensidades, seguido de Half-Life, lançado no mesmo ano, já somando dessa vez uma trama mais elaborada.
Os jogos até o final dos anos 90 seguiam uma certa linearidade. Haviam mapas definidos, poderíamos até ir e voltar, mas nenhum aplicava de maneira definitiva a sensação de um mundo aberto.
O início dos anos 2000 nos agraciou com Grand Theft Auto 3 (2001), mostrando mais liberdade e diversidade para a maneira de jogar e apreciar. Poderíamos cumprir missões ou simplesmente passear naquele mundo virtual sem sermos penalizados por não estarmos cumprindo o espirito competidor estereotipado de um gamer. Finalmente, podemos voltar e virar aquela rua. Sair do carro, andar e apreciar a paisagem. Finalmente, podemos então fundir a percepção do concreto com a abstração das ideias.
E foi assim até aquela apresentação da Hello Games na Spike Video Game Awards de 2013.
Existência
Somos muito, mas muito insignificantes diante da grandeza do universo. É uma frase que temos que aprender a sentir e absorver para que tornemos pessoas melhores (sim, tem até uma pesquisa sobre isso).
A distância entre a Terra e a Lua parece curta, mas caberia todos os planetas do sistema solar. Os anéis de Saturno tem a largura equivalente à 6 Terras. O Sol equivale a 99,86% da massa de todo o nosso sistema solar e existem várias estrelas que são, pelo menos, um bilhão de vezes maiores que o Sol. Daí, se reduzirmos o Sol ao tamanho de um glóbulo branco e reduzirmos a Via Láctea na mesma escala, o tamanho da Via Láctea seria equivalente aos Estados Unidos. Mas aí é que tá, a Via Láctea é minúscula em comparação a outras galáxias, como a nossa vizinha, Andrômeda, que possui mais que o dobro do diâmetro, com trilhões de estrelas (versus umas 250 bilhões da Via Láctea). E existem umas 200 bilhões de galáxias no nosso universo observável, sendo que 84,5% desse universo é composto de matéria escura, uma coisa que ninguém sabe exatamente o que é.
O problema de existirmos é percebermos essa grandeza diante de nós e não podermos fazer “nada” para vivenciar isso. É impossível um ser com massa viajar por 4,2 anos na velocidade da luz para chegar em Proxima Centauri b, o exoplaneta potencialmente habitável mais próximo da Terra.
Para sanar essa carência existencial, nada como um bom jogo de ficção científica baseada em mundos gerados de maneira procedural.
Céu de Ninguém
Voltando à apresentação de 2013, o anúncio da Hello Games prometia um jogo com galáxias, sistemas e planetas, com flora e fauna únicos, tudo gerado proceduralmente, ou seja, por meio de fórmulas matemáticas e lógica computacional. Explicando secamente, não tem nada modelado com mãos humanas: você cria uma fórmula e um procedimento pega essa fórmula e cria todo um ambiente baseado nessa fórmula. Se muda uma variável nessa fórmula, gera-se outro ambiente, completamente diferente. É como se fosse o DNA ou, a própria natureza.
Você descobre um planeta e, se voltar lá, tudo vai estar como está. E a proporção de tudo é sim, gigante, assim como a liberdade de exploração. Se você pousou num planeta, é possível dar a volta andando nesse planeta, nem que isso leve duas semanas, dependendo do seu diâmetro. Somado a esse contexto de exploração, ainda temos batalhas estelares entre outros jogadores online e missões galácticas.
Claro, isso evocou numa expectativa gigante no público e em mim também. Mal via a hora de botar as mãos no jogo e me esquecer lá dentro. E foi o que fiz: depois de vários atrasos e pressão, o jogo foi lançado em 2016 para PC e lá fui eu catá-lo logo de cara.
Expectativa Irreal vs Realidade Virtual
Nunca fui muito de ler reviews de jogos pós lançamento. Somente leio se for algum jogo que não pretenderia adquirir a curto prazo. Se é um jogo que eu moldei uma expectativa positiva, eu vou adquirir sim, independente dos reviews.
Quando joguei pela primeira vez, estava em um planeta com nenhuma fauna, flora abundante e poucos sentinelas voando cá e lá. A sensação de que “estou sozinho e nem sei onde começar” foi essencial para absorver a ambientação que o jogo propunha. Fui minerando, adquirindo recursos até conseguir arrumar e levantar a minha pequena nave. E quem disse que eu saí do planeta? Continuei navegando nele por dias! Encontrava algumas construções abandonadas e fiquei, por muito tempo, sem ver ninguém. Era tudo muito misterioso e sem rumo. Não havia missões, tutoriais indicando “vá até ali e encontre algo”. Era uma experiência de sobrevivência e exploração na busca de algum objetivo desconhecido. E isso pra mim foi fascinante.
Mesmo com os slow downs, bugs do tipo o jogo fechar do nada, parecia que eu estava hipnotizado e nada disso me afetava. Até então, nunca havia jogado algo que me traria tanto fascínio e liberdade de ações. Quando eu finalmente me desapeguei do planeta e consegui sair dele, vi que havia um mapa galáctico onde haviam, sei lá, uns 2 elevado a 64 planetas (uns 18 quintilhões de planetas) para serem visitados e que a galáxia havia um centro onde, supostamente, seria o objetivo do jogo. Como não ficar fascinado?
Tem como sim: muita gente reclamou horrores do jogo. Além dos bugs (sim, de fato, haviam muitos e eram bem irritantes por sinal), o jogo não tinha o multiplayer anunciado. Isso decepcionou bastante gente, achando que poderia ser um novo jogo de massive multiplayer intergaláctico. O que gerou diversos reviews negativos e tal. De qualquer forma, o jogo ainda manteve uma pequena comunidade que acreditou na essência de exploração do jogo, conceito que foi um pouco atrapalhado para agradar a grande mídia.
Com o upgrade NEXT, No Man’s Sky conseguiu atingir finalmente uma boa base de jogadores pois nele traria o tal do multiplayer, além de várias correções a cerca de objetivos e missões… mas, como achar alguém na vastidão que o jogo propunha? Era praticamente impossível! Contudo, adicionaram mais missões pois muitos jogadores achavam monótono navegar no universo, explorar, descobrir coisas etc. Eu não. Pra mim, tudo isso, era muito relaxante.
Aí saiu o upgrade intitulado BEYOND, que traz praticamente uma “sala de chat” que você conversar com várias pessoas online, independente se elas estão no mesmo sistema planetário que você. Achei isso um pouco paia… pois sempre gostei de explorar tudo e descobrir as coisas sozinho mas, sei lá, pode ser legal conversar com outras pessoas lá. Mesmo assim, é interessante observar que o jogo ainda respeita a sua decisão em escolher a exploração solitária e você pode sim, seguir sua vida no jogo sem ser atrapalhado por alguém. Esse update é importante para atrair mais gente ao ecossistema do jogo pois, sempre será uma sensação bem interessante encontrar uma pessoa justamente no mesmo sistema estelar onde você está, ou visitar algum sistema que, por coincidência, já foi descoberto por alguém.
Um jogo eterno
No Man’s Sky é um jogo eterno. Eu jogo ele desde 2016 e tenho apenas 120 horas de jogo, aproximadamente. Já cumpri missões, fui no centro da galáxia, estou em outra galáxia etc. Mas, continuo jogando em modo exploração, sem “bitolar” demais. Pra mim, ainda é muito fascinante descobrir novos planetas, catalogar a fauna, adquirir recursos, comprar novas naves, cargueiros, construir bases… tudo sem objetivo concreto, apenas pelo prazer da exploração e pelo fascínio do universo, já que não podemos navegar pelo universo real, por enquanto. Finalmente, No Man’s Sky é um jogo que somou o meu fascínio pela razão da existência e o primor da imaginação do ser humano.
Aproveitando o post, fiz uma breve live improvisada sobre o update BEYOND de No Man’s Sky. Dê uma olhada e não esqueçam de assinar nosso canal. 😉
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Luiz Otávio Tinoco
Twitter: @luizzz
Sensacional artigo, Luiz. Como você nos levou no texto passando pelos diversos jogos pontuais até chegar a No Man’s Sky foi sublime! Tou acompanhando no youtube também, valeu amigo.
Valeu Eric! Sempre uma honra enorme contar com sua presença por aqui. Obrigado mesmo! 😉