Post-game blues: A depressão após um grande jogo

A sensação de perda de propósito após terminar um jogo 10/10

Antigamente, nossa mente de moleque era: “quanto mais, melhor”. Terminar um jogo era motivo de orgulho e atiçava nossa mente em busca de mais. Pro dia seguinte? Que nada, se o próximo jogo estava ali à disposição, por que não começar essa nova jornada de uma vez? Ainda mais que, na segunda-feira, tinha que entregar a fita! Agora… Nos tempos de adulto/idoso como nós, o clássico “muito jogo e pouco tempo” aparece tangendo nossos sentimentos, obrigando-nos a ser mais seletivos. Não só isso: nossa mente agora está mais “pesada”, carregada de análises e sentimentos esquisitos que não tínhamos antes (ou tínhamos e não sabíamos o significado). Amadurecer é absorver, mas ao mesmo tempo saber descartar as coisas no momento certo. O problema é quando você absorve demais e não tem mais noção do momento.

Eu, recentemente, tive o privilégio de estar vivo neste universo para jogar a série Dark Souls. Sim, eu tive o jogo Dark Souls 1 na época do Xbox 360, mas, quem disse que eu joguei? Obviamente “dropei” na primeira fase, com o infame pensamento: “pra que vou me estressar com jogo difícil se tenho outros mil jogos no meu backlog aqui?”. Aí, muitos anos depois, comprei o Dark Souls Remastered no meu PC (em 2021) e mergulhei no jogo de vez.

Nem precisa dizer o que achei do jogo, né? Maravilhoso, épico, etc, etc… Quando terminei, me senti SEDENTO para jogar o Dark Souls 2, claro, achava que era alguma continuação e tal. Apesar do início broxante, da metade do jogo pra frente é uma experiência espetacular. Excelente também. Me senti ótimo ao terminá-lo. Aí, nessa época, fiquei sabendo que no PS5 tinha lançado o Demon’s Souls! Comprei o PS5 só por causa do Demon’s Souls. Outra experiência gratificante e ímpar. Lindo demais o jogo. Logo em seguida, fui de Dark Souls 3. E, bão também! Só depois desses todos, comprei Elden Ring. Aí, a coisa ficou diferente, pois, quando os créditos subiram, em vez de me sentir realizado, como nos “Souls” anteriores, bateu um vazio existencial digno de protagonista de novela mexicana. Nada mais fazia sentido. Abria outros jogos e… meh. Nem o joguinho casual do celular parecia interessante (na verdade, nunca foi interessante pra mim, mas enfim, citei isso só para ilustrar).

Cara, fiquei muito tempo sem jogar nada. Chegava em casa após o trabalho, só via uns vídeos, assistia umas lives e ia dormir. Não me lembro quando me “recuperei”, mas estou escrevendo este artigo agora porque há alguns meses terminei o DLC de Elden Ring e estou sentindo isso novamente.

Minha terapia está em dia (faço há anos e anos). Que fique claro que isso não afetou meu sono, minha disposição para trabalhar etc… só afetou na parte “gamística”, digamos assim. O meu hobby favorito. Até as lives eu parei de fazer.

Aí, fui pesquisar e vi que esse sentimento tem até nome: post-game blues. Há umas explicações bem interessantes para esse fenômeno.

Por que isso acontece?

  • Queda na dopamina: Jogos “bão” são verdadeiras máquinas de liberar dopamina, aquele neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e recompensa. Cada chefão derrotado, cada área explorada, cada segredo encontrado… PÁ! Mais dopamina. Quando o jogo acaba, essa fonte seca de uma hora pra outra, e o cérebro sente falta daquele estímulo constante.

  • Perda de propósito: Às vezes, um jogo 10/10 não é só entretenimento, ele vira quase uma missão de vida. Você acorda pensando em como vai passar daquele boss, passa o dia bolando estratégias, e quando finalmente termina… cadê o objetivo? Fica aquele buraco, como se você tivesse perdido uma razão de existir por um tempo.

  • Apego emocional: Não é só sobre gameplay. Você se apega aos personagens, ao mundo, à trilha sonora… É como se dissesse adeus a amigos que estiveram com você por centenas de horas. A separação dói, sim, e não tem nada de bobo nisso.

  • Comparação com a vida real: Depois de viver aventuras épicas, enfrentar dragões e salvar o mundo, voltar pra rotina pode parecer… sem graça. Para alguns, até a vida real fica sem graça. No meu caso, jogar ficou sem graça.

  • Fadiga mental: Explorar um jogo intenso exige foco, estratégia, memória. Quando termina, além do vazio, pode rolar um cansaço mental que faz qualquer outro game parecer esforço demais.

No fundo, terminar um jogo desses é como o fim de um grande livro, de uma série marcante ou até de uma viagem inesquecível. Você aproveitou tanto, se envolveu tanto, que voltar ao “normal” parece impossível. Mas, com o tempo, o cérebro se ajusta, a dopamina se estabiliza etc.

No fim das contas, talvez a maior diferença entre aquele moleque que só queria jogar mais e esse adulto que sente falta até do vazio deixado por um jogo esteja justamente na forma como a gente vive as experiências. Antes, era tudo impulso, correria pra terminar antes de devolver a fita, zero tempo pra pensar no depois. Agora, cada jornada dessas pesa diferente, porque o tempo é curto e as emoções são longas. Se antes a vontade era de começar logo o próximo, hoje a gente aprende que, às vezes, o melhor é só aceitar o vazio, respirar fundo e deixar a poeira baixar. Afinal, amadurecer também é saber valorizar o silêncio que fica depois do barulho — e, quem sabe, descobrir que o próximo grande jogo pode ser justamente esse intervalo entre um mundo e outro.

Luiz Otávio Tinoco

 

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