Imagine você, garoto dos anos 90, 12h15 da tarde, saindo da escola após uma sonolenta aula de português, o tempo é firme, a temperatura é tenra e ao invés de voltar para casa pro almoço, você conscientemente segue seus passos à locadora. Outros amigos vão com você no caminho pois, como todos sabem, é sexta-feira e se alugar duas fitas, você só devolve na segunda-feira.
O pessoal que estudava a tarde levava vantagem: eles já passavam pela manhã e escolhiam os jogos do momento. Mas, você entra e vê um jogo novo, estilo aventura, plataforma, nada demais numa primeira vista… parece ser novo na locadora, mas ninguém alugou pois era pouco conhecido ainda. Você resolve arriscar: escolhe ele e outro mais conhecido porque, se um for ruim, temos pelo menos o outro para jogar até domingo a noite.
Chegando em casa, peça desculpas a sua mãe: “A comida tá esfriando, menino!”, ela disse. Rango no bucho, o pai sai para trabalhar, a mãe vai para cozinha organizá-la e você vai direto pro canal 3 da TV de tubo, metendo o dedo no power do seu console, para se aprofundar em um jogo completamente novo.
No início, um pouco desconfiado na apresentação do jogo, não aparece nada, apenas uma tela preta com o título do jogo. OK, dê o start e vamos ver como é. Você não percebe mas a primeira fase serve para acostumar com a jogabilidade e entender a mecânica. Já na segunda fase, o desafio é levemente incrementado, a música vai te envolvendo, a ambientação vai te cativando e ao chegar na terceira fase você percebe que está jogando algo histórico no seu universo particular. Não adianta, alguns amigos vão falar que o jogo é esquisito, não vão entender seus sentimentos e você, muito menos, saberá descrevê-los. Ainda bem, coisas desse tipo só o seu coração precisa entender e tá tudo bem assim.
No final das contas, o outro cartucho alugado só serviu para jogar de dois com seu irmão, o que valeu a pena foi esse tal jogo. Fascinante, entrando no restrito hall de melhores jogos da sua vida.
E aí, você chega nos tempos de hoje! Naquela época, o que você imaginava estar fazendo em 2021? Cuidando dos filhos? Tocando o seu próprio negócio? Investindo na bolsa? Comprando imóveis? Nada disso… jogando videogames!
E no celular você vê uma notícia do lançamento de um remake do tal jogo que você jogou há mais de 20 anos atrás! Sim! Ele mesmo! Empolgado, você reproduz o vídeo que mostra o gameplay do jogo e…
...trevas. Você vê apenas trevas.
Sim, mesmo com o elogio do grande público: “Finalmente! Esse merecia um remake!”. “Olhem esses gráficos? Que sensacional!”. “E essa música orquestrada!? Uaaau!”. Seu sentimento é de decepção. E o que é pior: deturparam toda a interpretação que você, carinhosamente, guardado em seu coração, tinha do jogo! É como se eles dissessem que o que você jogou no passado estava errado, esse remake é o certo! Você até poderia guardar para ti o sentimento do “prefiro o anterior” e assunto encerrado mas… como é duro aprender a não notar uma mancha enorme no quadro que estava emoldurado em seu hall de jogos preferidos.
Se identifica com essa historinha? Ou para você tanto faz: quanto mais jogos, melhor? Quanto mais visões, interpretações, modificações empurradas goela abaixo, melhor? E assim vou tentar mostrar para vocês que nem tudo que é remake, reboot e/ou remaster, necessariamente vai ser melhor do que a obra original, e porque todos nós precisamos ter isso em mente para não alimentarmos inconscientemente um mercado do faz-de-novo.
Antes de mais nada, vamos definir os conceitos aqui para não gerar confusão.
REMASTER
Muita gente confunde remaster com remake. Remaster é como se fosse a forma mais branda do remake, se é que podemos definir dessa maneira: teoricamente, mantém-se o gameplay e aspectos do jogo original, com alguns toques de melhoria como gráficos mais atualizados, música refeita e por aí vai. Mas o jogo em si, mantém-se igual, pouca coisa é acrescentada.
Eu particularmente gostei muito do remaster de Wonder Boy: The Dragon’s Trap. Ele mantém muito fiel à jogabilidade do anterior, aprimora as músicas de maneira profissional e deixa tudo desenhado à mão, de uma maneira bem bela e sofisticada. E ainda permite ao jogador alternar entre o remaster e a versão original em tempo real (tanto na música como graficamente)! Sempre tive um fascínio muito grande no estilo de jogo que o Wonder Boy proporciona, uma aventura de primeira linha que prende a atenção do jogador. O trabalho que a Lizardcube fez foi espetacular, mesmo se tratando de um jogo que mexe muito com a imaginário de quem joga. Foi uma cartada muito bem executada. Esse posso considerar como um belíssimo exemplo de remaster, que respeita o jogo e o jogador.
Vejo o remaster como benéfico num contexto geral, quando bem executado. Aprimorar sensações do jogo anterior é na maioria das vezes visto como positiva. Contudo, não podemos usar o remaster como um descarte definitivo da obra original. Devemos sim assimilar e reconhecer o esforço intelectual dos pioneiros do jogo original, perceber as manobras técnicas e truques de programação para contornar essas limitações e isso só se consegue perceber quando jogamos o original, mesmo tendo em mãos a versão remasterizada. Por exemplo: Shadow of the Colossus. Eu estou jogando no PS2, apesar de haver a versão remasterizada no PS3/PS4. Como trata-se de um jogo primoroso e inovador (no qual comecei a jogar só esse ano, acreditem se quiser), eu nem pensei em jogar o remaster pois quero apreciar de fato como ficou o jogo em sua concepção original, dentro dos limites técnicos impostos pelo PS2. É como ver uma estátua construída na Grécia antiga, na Grécia, e não de dentro de um museu perto de casa, toda limpa, bem iluminada e no ar condicionado.
REMAKE
No remake, a coisa já fica complicada, pois é quando mantem-se todo o enredo de um jogo mas altera-se todos os demais aspectos, ou seja, tudo é refeito em cima de uma história original. Isso as vezes pode ser bom, conheço muito jogo que possui uma história boa, enredo interessante mas o resto ficou a desejar. Por outro lado, há jogos encantadores e que mesmo assim, algum dissimulado tem a brilhante ideia de se fazer um remake.
Um exemplo de remake mal executado é Flashback. Um remake totalmente esquecível de um jogo inesquecível. Tem gente que gosta, acha nostálgico rever cenários redesenhados (o que é feito, na maioria das vezes, sem o aval do desenvolvedor original) e atualizar o gameplay para que fique acessível à nova geração. Eu particularmente vejo isso como uma mancha, numa sensação similar à história que citei no início do artigo.
Hoje em dia, quando vejo que fizeram um remake de um jogo que já era bom, ativo imediatamente um bloqueio mental que para destravar, só depois de bastante convencimento. Um exemplo é o recente remake de Dead Space. Esse pelo menos parece estar em boas mãos, pois a equipe original participa do desenvolvimento mas aí fica a pergunta: é realmente necessário um remake de Dead Space? Poxa, mas a física foi melhorada, o combate… tá, mas a pergunta continua no ar: É necessário?
REBOOT
Reboot é “foda-se a porra toda, vamos fazer de novo”. É isso. Mas, péra lá…isso não quer dizer que isso possa ser ruim. Na verdade, considero a prática ruim mas o resultado nem sempre é. Calma, explicando sério agora, reboot é quando os desenvolvedores aproveitam só os aspectos mais básicos do roteiro de um jogo, e criam uma nova linha do tempo para aquilo. Há uma ou outra coisa a ver, mas tudo é novo.
Exemplo disso é Castlevania: Lords of Shadow. É um bom jogo? Sim. Foi necessário? Talvez, pois a linha do tempo de Castlevania estava bem saturada e com várias versões, talvez algo novo nos traria uma reflexão interessante. E de fato trouxe, contudo, acho também que a Konami perdeu a oportunidade de oficializar uma linha do tempo que trouxesse lógica e ligação com os Castlevanias anteriores, ainda mais se tratando de uma franquia de estável sucesso (apesar de que, na época, a mesma estava meio “em baixa”), e que isso talvez poderia ter nos trago resultados mais instigantes. Mas, são escolhas. Lords of Shadow trouxe um enredo interessante mas não passou do 2 e a franquia inteira foi praticamente encaixotada pela Konami desde então, sem jogos realmente inovadores.
Eu, contudo, acho reboot uma escolha muito perigosa e uma prática má vista. Revela, para mim, a falta de imaginação na confecção de enredos cativantes e a preguiça de produtoras, sempre na tentativa de pegar carona no barco.
CONCLUSÃO
Quem sou eu em dar uma conclusão para o que você deve fazer ou não, não é mesmo? O ponto que quero chegar com esse artigo é: não alimente os trolls da indústria de videogames. Valorize as obras já concebidas e não aposte tudo em “remoldes” sem nem antes saber do que se trata em sua essência pois a verdadeira essência de um game já está pronta, basta o jogador descobrir. Não é porque o jogo ficou mais bonito que ele passou a ser bom. Aprecie a arte que os videogames proporciona, com moderação e sabedoria. E o principal: divirta-se.